Como funciona — de forma legal — a gestão individual, que ocupou o centro de uma polêmica recente ao ser imposta por editais de festivais de música
• de_São Paulo
Em julho, a revelação de que editais de festivais musicais país afora incluíam cláusulas abusivas impondo a gestão individual de direitos autorais — em outras palavras, “isentando” os eventos do pagamento ao Ecad — desatou a polêmica. Afinal, é possível que autores de canções tocadas num evento abram mão da cobrança pelo Ecad em nome de um suposto acordo de pagamento direto ao compositor?
A resposta curta é sim. Mas, nem de longe, essa renúncia pode ser feita por imposição de um regulamento de festival. A seguir, explicamos as condições em que ela pode se dar e quem tem o direito de solicitá-la.
O alerta ganhou as redes depois que veio à tona a surpreendente exigência de um dos eventos, o Festival Nova Lima Autoral, de Minas Gerais: para participar, os artistas são obrigados a renunciar à cobrança de direitos autorais através da gestão coletiva. E mais: devem declarar não pertencer a nenhuma associação. Com a repercussão, outros casos similares começaram a ser denunciados. Em todos eles, segundo advogados especialistas em direito autoral, há um claro desrespeito tanto ao direito de associação previsto na Constituição Federal como à gestão coletiva, prevista na Lei de Direitos Autorais (9.610/98).
No Brasil, mesmo que o intérprete seja o próprio compositor das músicas, o Ecad deve cobrar, por lei (9.610/1998), os valores relativos à execução pública. Isso porque, no nosso país e na esmagadora maioria do mundo, está bem estabelecido, e há décadas, um sistema baseado na gestão coletiva dos direitos autorais. Esse modelo empodera os criadores e lhes dá condições de negociar melhores valores para o uso de suas obras, algo que negociações caso a caso dificilmente permitiriam.
Numa espécie de cruzada alimentada por fake news, muitos atores do mercado vêm boicoteando a gestão coletiva e forçando acordos individuais, que, obviamente, não garantem o recebimento dos devidos valores pelos compositores. Aí entram as cláusulas abusivas dos festivais de música nas quais os criadores, para participar, devem declarar que farão a gestão direta dos seus direitos. Em alguns editais, é exigido que eles sequer pertençam a uma associação que integra o Ecad, como a UBC.
O JEITO CERTO
Para além dessa imposição movida por razões ideológicas ou pura desinformação, há casos nos quais um intérprete que é também o compositor de suas próprias canções pode optar por dispensar a gestão coletiva num show seu. Várias são as razões para isso — e entre elas pode, sim, estar uma legítima negociação fechada de valores entre o usuário da obra e seu titular.
Porém, e ainda de acordo com o que diz a lei de direito autoral, se não houver o cumprimento de uma série de passos, a dispensa da gestão coletiva é inválida. Portanto, a cobrança continuará a ocorrer, independentemente do que digam os editais que alguns festivais vêm forçando os compositores a assinarem. O primeiro, e fundamental, passo é a comunicação da gestão individual à associação à qual o titular pertence.
Nos casos de shows e eventos, somente são considerados os comunicados de gestão individual enviados às associações com até 48 horas úteis de antecedência da conclusão das negociações entre o Ecad e o usuário (assinatura de contrato e/ou pagamento do boleto). Depois desse prazo, a gestão coletiva será realizada normalmente.
O documento a ser encaminhado pelo titular em nome próprio, com data e rubrica em cada via, contendo as seguintes informações:
a) Nome completo do titular;
b) CPF, CNPJ ou código Ecad;
c) Local e data ou período da utilização musical;
d) Tipo de utilização: ao vivo/ mecânica/ ambas;
e) Indicação do artista que executará as músicas relacionadas, se houver;
f) Relação das músicas a serem executadas com os nomes dos titulares envolvidos nas obras musicais e nos fonogramas, se houver, ou na trilha sonora da obra audiovisual.
TODOS DE ACORDO
Um dado importante: não é possível que apenas um dos titulares de uma determinada obra abra mão da gestão coletiva pela individual. Se este último for o caminho escolhido quando houver um determinado uso da canção, todos os titulares devem preencher e enviar o documento nas condições descritas acima.
A declaração deve ser enviada à filial mais próxima do titular e pode ser preenchida usando-se um modelo. Aqui neste link do site da UBC, no item Modelo de Gestão Individual - Liberação de Show, você pode baixar o seu.
Por outro lado, para quem não só deseja que o método da gestão coletiva seja bem utilizado, mas tenha maior transparência, a UBC também disponibiliza a ferramenta Informe Seu Show no site. Nela, é possível informar os detalhes sobre os seus shows ou sobre shows de artistas que interpretaram obras de sua autoria. Estes dados são repassados ao Ecad para que o evento seja monitorado. Para isso, é necessário preencher corretamente todos os dados, de preferência antes de o show acontecer. •