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JOANA

THIMOTEO:


‘QUEREMOS GERAR

MÚSICA ORIGINAL

E TAMBÉM SER

CURADORES’


Diretora musical da Globo, a executiva fala sobre projetos para fomentar o mercado, a relação da emissora com o sertanejo, sincronização e sua visão sobre a IA generativa

por_Alessandro Soler de_Madri

JOANA ,THIMOTEO:,‘QUEREMOS GERAR,MÚSICA ORIGINAL,E TAMBÉM SER,CURADORES’
JOANA ,THIMOTEO:,‘QUEREMOS GERAR,MÚSICA ORIGINAL,E TAMBÉM SER,CURADORES’
JOANA ,THIMOTEO:,‘QUEREMOS GERAR,MÚSICA ORIGINAL,E TAMBÉM SER,CURADORES’
Diretora musical da Globo, a executiva fala sobre projetos para fomentar o mercado, a relação da emissora com o sertanejo, sincronização e sua visão sobre a IA generativa

por_Alessandro Soler de_Madri

Desde que surgiu, há seis décadas, a TV Globo, embrião do que viria a ser o maior conglomerado audiovisual da América do Sul, manteve uma relação mais do que estreita com a música. Há pouco menos de um ano, com a criação de uma diretoria que concentra as variadíssimas iniciativas musicais do grupo sob o comando da executiva Joana Thimoteo, essa relação se renovou e ganhou nova escala, além de um olhar notavelmente mais estratégico.

Thimoteo, oriunda da área esportiva da casa, se apresenta como uma ponte, uma interlocução entre o mercado e as muitas produções da Globo que usam música. Antes, cada área (novelas, programas de auditório, shows) cuidava de suas trilhas e seus projetos musicais individualmente. A executiva não só deu uma unidade a tudo como está fervilhando de ideias para novos usos, novas maneiras de explorar canções — abrindo muitas oportunidades para quem cria música original para audiovisual.

Este ano, a escolha de uma canção para a trilha sonora de “Dona de Mim” por meio de um concurso nacional mobilizou o meio, com mais de 2.500 inscrições de obras originais oriundas de artistas de comunidades, numa colaboração com a ONG Central Única das Favelas (Cufa). A escolhida, “Tem Que Ter Fé”, foi composta por Nith, Nairo, Drew e Chefin, quatro jovens de favelas do Rio de Janeiro.

“Somos uma empresa que valoriza os pilares culturais da nossa sociedade. Mas também somos negócio, assim como a música. Tudo o que é concurso gera engajamento, traz gente jovem, gera credibilidade. Esse (de ‘Dona de Mim’) foi um sucesso absurdo. Mais de 2.500 músicas, e músicas boas. Nosso celeiro é vasto, dá para pensar em mais (iniciativas assim)”, diz Thimoteo em entrevista à Revista. “Muitas pessoas do mercado diziam ‘não sei como acesso a Globo, como levo uma proposta.’ Isso agora está ficando mais claro. A ideia é que não haja dúvida do caminho, para artistas, gravadoras, editoras…”

A próxima iniciativa para engajar e estimular a criação de música original já foi feita — e ela comenta em primeira mão à Revista: um songcamp, em Goiás, do qual saiu grande parte da trilha sonora da próxima novela das 19h da Globo, “Coração Acelerado”. Tendo como coprotagonista um cantor sertanejo, a trama vai gravitar ao redor de um universo da qual a emissora sempre foi próxima.

“A Globo fomenta há muito tempo o sertanejo, não é novo. O sertanejo está onde está porque foi abraçado pela Globo lá atrás. E nós, mais uma vez, estamos dando espaço para eles. Fizemos o (especial) ‘Amigas’, botamos (o festival de) Barretos (no horário nobre, no sábado à noite) pela primeira vez”, enumera.

Neste papo com a UBC, ela fala sobre tudo isso, sobre o papel curador da Globo, as oportunidades de sincronização nos produtos da casa e a abordagem da empresa à inteligência artificial generativa.

O que mudou essencialmente na relação da Globo com a música desde que você assumiu essa diretoria?

JOANA THIMOTEO: A Globo entende cada vez mais a relevância e o papel que a música tem na vida e no consumo dos brasileiros. Consequentemente, no negócio. Somos uma empresa interessada em servir, da melhor maneira possível, o nosso consumidor. E a música é um dos principais pilares de conexão com ele. Ela nos faz refletir e entender o que está acontecendo com os mais jovens, como os mais velhos ampliam seus gostos e consomem. Entendendo isso, a gente soube que precisava fortalece a área de música na empresa. Tinha a área de shows, a de ao vivo, a de festivais. Tem uma TV Globo muito forte em sincronização, em trilha de novela, séries. Tem o Globoplay, com dramaturgia ali. Quando você olha tudo isso, pensamos: por que trabalhar de forma dispersa? Por que não criar uma área, um olhar integrado? Estamos indo ao mercado de maneira estruturada para dizer: estamos aqui, queremos fazer parte do jogo, queremos ouvir e também falar. E tem sido muito rico. Para a minha surpresa, quando cheguei, tinha-se a impressão de que a indústria da música não precisava da Globo, como empresa-mãe, e essa não é a recepção que eu tenho tido. Ela parece ávida para fazer negócio com a gente, encontrar novas oportunidades. Então, tem essa reestruturação de uma área antes fragmentada, agora dividida numa ótica de portfólio e fomento de eventos musicais, de um lado; e, de outro lado, a produção musical. Quais são os temas que a gente vai ter nas próximas obras? Quem são as pessoas que devem frequentar nossos programas? Que oportunidade de negócios e parcerias com artistas podemos criar? Não faltam ideias.

O songcamp que vocês fizeram para a próxima novela foi o primeiro da Globo?

Não. Mas foi o maior, com a maior adesão e maior proporção.

Antes, a Globo era tida como uma curadora privilegiada, apontando para as novidades, as tendências do mercado. Agora há uma mudança de estratégia? Vocês devem apostar mais em produção original?

Queremos apostar nas duas coisas. Estamos fazendo songcamp para gerar música original, mas também queremos ser curadores. Queremos dizer para o brasileiro o que é bom, mas sem dizer a ele o que ele tem que ouvir. A gente vai continuar como curador, mas quer construir o futuro também. Estou trazendo uma análise forte de dados do que se consome, quem, o quê, se é regional, se é nacional. E também mergulhar para dentro: por que nesse programa toca mais isso, mais aquilo? A partir disso, testar novos caminhos, novos formatos. As novelas têm seus donos, os programas também, mas todos eles estão com uma escuta aberta para essa nova área que vai trazer análise de dados, visão de mercado e visão artística. Fazer Barretos ao vivo na TV Globo é resultado disso. Antes não haveria, no horário nobre do sábado. Lady Gaga em maio… não imaginávamos que teríamos uma Lady Gaga ao vivo na TV aberta. Trouxemos orquestra para tocar nossas trilhas, como celebração dos 60 anos da casa. Tudo isso é usar a música como conexão, respeitando o consumo que o público deseja.

Essas iniciativas, fazer concurso para escolher música, fazer songcamp, são iniciativas que dão uma visibilidade bem grande ao compositor. É normalmente o foco está quase sempre posto sobre o intérprete. Existe uma preocupação de vocês em jogar mais luz sobre quem cria?

Nossa preocupação é dar visibilidade para todos os artistas. Botar holofote em todo mundo que participa daquela música que vai chegar lá no fim. E aí tem uma discussão sobre como melhorar o crédito, dar mais crédito (a compositores nos produtos da casa). Televisão não se faz sozinha. Música também não. O compositor faz, depois tem produtor, arranjador, intérprete… toda uma cadeia de pessoas para chegar num resultado maior, bacana. Estamos estudando como dar crédito a quem cria. Por que não dar o reconhecimento devido àquela pessoa que escreveu (a música)?

Nairo, Chefin e Drew, três dos criadores da canção "Tem Que Ter Fé", escolhida em concurso para a novela "Dona de Mim"
Nairo, Chefin e Drew, três dos criadores da canção "Tem Que Ter Fé", escolhida em concurso para a novela "Dona de Mim"

Depois do boom da pandemia, o mercado de produções audiovisuais se assentou. Mas ano passado, segundo a Pro-Música, as receitas com sincronização de músicas em filmes, séries e novelas cresceram 36% em relação a 2023. Está havendo um novo aquecimento? O que você sente empiricamente?

As coisas entraram num trilho normal de avanço e desenvolvimento, depois daquele boom. E a nossa indústria está nesse momento, tanto a audiovisual como a musical. A hora é de fazer as coisas com solidez, estruturadamente. E está assim em tudo. Shows? São sold out, mas não da maneira que eram. Festivais, igual. Mas as oportunidades existem e vão crescer. Estamos otimistas.

Se eu sou um compositor de canções, com foco em trilhas sonoras ou não, e quero emplacar uma obra minha, uma gravação minha, num produto audiovisual da Globo, qual caminho devo seguir?

Queremos ser o lugar do sonho (dos criadores). A gente tem caminhos formais para o recebimento disso. E acaba que recebe muita coisa. Obviamente, não temos estrutura para poder avaliar tudo. Mas esse é um lugar que estamos trabalhando para melhorar. Na parte do portfólio, os projetos estão chegando muito claramente. Na parte das composições, tem um canal já, mas queremos melhorar. Hoje as editoras são o principal canal. Elas fazem o pré-filtro. Tem esse lugar, tem a curadoria. Mas estamos abertos a todos, a democratizar o acesso cada vez mais. Trabalhamos para isso.

Como vocês têm acompanhado toda a movimentação da IA generativa? Têm algum projeto ou iniciativa vinculada com a criação por IA?

A gente tem um grupo de conteúdo, de trabalho, voltado para a IA, um estudo de possibilidades e oportunidades. Estamos pesquisando novas soluções para usar a IA na música em algumas coisas que achamos que funcionariam, acompanhamos tudo com lupa, mas quero deixar algo claro: para nós, a IA é uma ferramenta para nos ajudar a produzir o melhor conteúdo. Ela não vai produzir o melhor conteúdo para nós, nós é que o faremos. Na nossa concepção, a IA não vai tirar o lugar de nenhum artista, de nenhuma pessoa. A gente acredita no trabalho artístico dos seres humanos. É disso que a gente vive.

Neste momento em que as plataformas pressionam os legisladores para criar leis que permitam o uso livre, e sem remuneração, de canções para treinar sistemas que gerarão música para competir com esses mesmos autores, essa é uma declaração de intenções importante…

Eu acho que a Globo está fazendo seu papel há 60 anos, na TV, de forma muito contundente, que é estar ao lado dos artistas, fomentar o indivíduo, a criação, a liberdade de criação, a liberdade de autoria. Esse é o papel que a gente tem feito. A gente fomenta e contribui com essa indústria. E seguiremos contribuindo. As tecnologias tomam caminhos inovadores, mas jamais tirarão o papel criador das pessoas. Todos aqui criamos coisas e estamos juntos, preservando isso e zelando por isso sempre.

Cena de "Novela em Sinfonia", especial que misturou música de concerto às trilhas dos folhetins da Globo em junho
Cena de "Novela em Sinfonia", especial que misturou música de concerto às trilhas dos folhetins da Globo em junho
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